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terça-feira, 16 de julho de 2013

Anarcocapitalismo: a comercialização da moral

O fim da autoridade instituída, e o início da autoridade individual meramente contratual.


Uma das várias vertentes anarquistas, o anarcocapitalismo constitui, provavelmente, uma das maiores piadas utópicas. Uma utopia socialista invertida, o anarcocapitalismo sustenta-se no pensamento de que nenhuma autoridade estatal definida seria necessária para organizar a vida pública e social, nem agir como agente coercitivo. No lugar disso, contratos firmados individualmente ou acordados entre um grupo de indivíduos seriam mais do que suficientes para organizar o tecido social, onde nenhuma proibição deveria ser feita a qualquer tipo de atividade comercial acordada entre indivíduos.


Destituindo todos os aspectos morais, o anarcocapitalismo permitira, por exemplo, que alguém se "vendesse" como escravo de outro. Ou, que alguém comercializasse de forma legítima os próprios filhos, vendesse algum de seus órgãos ou vendesse os órgãos de outras pessoas, que de modo acordado, se submetessem a isto. Pequenos exemplos de uma sociedade anárquica, mas ainda com a presença do capital e das atividades comerciais.


Conceitos como propriedade privada continuariam existindo, de acordo com o anarcocapitalismo. Entretanto, a propriedade privada e os próprios direitos individuais não são concessões válidas meramente por que indivíduos as estabeleceram de modo autônomo. Um próprio agente regulador é necessário para garantir estes direitos, por que eles não são meramente materiais: são também direitos e conceitos morais. E em uma anarquia de contratos, quais contratos valeriam mais do que outros? Qual o critério para definir que certo acordo fere o acordo de outros, e portanto, deve ser  inválido? Simplesmente não existiria esse poder mediador. O anarcocapitalismo troca a ausência de uma autoridade central por inúmeras "pequenas" autoridades.



Nesse sistema, a simples atividade capitalista regularia toda a vida social. Entretanto, assim como a utopia socialista não vingaria por desprezar as particularidades individuais e nivelar todos aos mesmos condicionamentos de necessidades, conduzindo todos a um quase uníssono pensamento coletivista, a utopia anarcocapitalista acredita que todas as vontades e desejos individualistas regulariam bem a sociedade, desde que houvesse um viés econômico e um acordo para estabelecer estas vontades. Se a morte da individualidade do sujeito é um mal, estimular ao máximo seu individualismo é um mal ainda pior.


Para os seguidores desta ideia, nenhuma atividade fruto do capital é maléfica em si, e sim, as interferências do Estado nestas atividades. Isso é um mal por si, já que a ganância desmedida e a simples busca da riqueza são males tipicamente humanos exercidos através de suas atividades, que dependem justamente de uma força reguladora. O Estado não deve ser extinto, ele deve apenas não ser inchado nem demasiadamente enfraquecido, justamente por que precisa de estrutura para moderar a sociedade e evitar os excessos imorais. Um acordo onde alguém se vende como escravo só pode ser impedido por que um poder moderador superior a este acordo o rejeita e o coloca como imoral.


Por isso vender os próprios filhos seria um crime terrível no modelo atual, por mais imperfeito que seja, mas não o seria em uma utopia "perfeccionista" anarcocapitalista. O "capitalismo" no nome não deve  enganar: o anarcocapitalismo não passa de uma utopia, tão ou mais ilusória do que a utopia socialista. O indivíduo desmedido guiado apenas pelo lucro é um monstro tão terrível quanto a tirania obliteradora socialista.

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